sexta-feira, 8 de junho de 2012

Âmago

Debaixo de uma árvore, no centro da cidade, observo as crianças brincando no parque, o sol está quase a pino, o verão é quase de marte, o vento sopra quente e abafado, tal que é preferível sem.

Há um velho no banco mais próximo, as solas do sapato já gastas do uso contínuo, olha fixamente para o infinito. Faz horas que ele está ali, de vez enquanto muda de posição, mas a expressão facial ainda continua crua, sem sentido, um pouco ignorado por quem passa.

O sinal da rua fecha. Uma buzina soa junto com um tchauzinho e um sorriso meio de lado, apagadinho, era pra ele. Ele, o senhor com a amargura interna. Mas ele fingia não existir nada, perdido em distantes pensamentos.

Fui perguntar o que lhe afligia. Sua Donnatela havia partido, sua companheira desde sempre, agora fazia parte do silêncio. Não existiam mais os cachos prateados da idade avançada, a doçura dos olhos azuis ou a leveza da voz de um rouxinol. Ela havia se calado. Shhhhh. E a ele somente restava um afeto ainda pulsante separado por sete palmos de terra úmida.

O que faltava no tal homem era a paz que sobrava agora à sua senhora, enterrada há três dias em seu melhor vestido florido com uma expressão límpida.

Os suspiros roucos ainda romperão os seus lábios e a paz será inatingível até que deitado ao lado de sua Donna estiver encontrado, sem perturbações, sem esses batimentos cardíacos ridículos que se apossam dos meros mortais.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tic Tac

A janela do meu quarto está suada, anunciando que a temperatura la fora está muito baixa, aumentando assim a carência de qualquer ser humano. Ai inverno.

Adoro andar na rua úmida, sentir o vento sul colidindo cortante no rosto, fazendo minha pele ficar mais branca que o normal, um tom quase fantasmagórico. Os ossos tremendo, implorando por um agasalho, mas eu não cedo, afinal espero por isso desde o inicio da primavera passada. Que ótimo. As crianças brincam de ser fumantes, os cachorros de rua morrem congelados, os humores melhoram e sentar no sofá pra assistir um filme fica muito mais interessante.

Ainda vou morar na Europa, em alguma cidade onde a temperatura mais alta seja de 10 graus, á mais de meio quilômetro de algum vizinho, em uma casa que eu mesmo planejara. Ta distante, mas eu vou. Assim como o planejado de quando eu era criança para o agora deu certo, porque não daria o meu planejado para o amanhã novamente? Antes de surgirem as rugas, por favor. Meu império.

Não quero esperar a morte deitado em uma cama, sendo observado por pares de olhos cheios de dó.

Eu sei, vou atirar todas as pedras de costas, por cima do ombro, sem olhar onde vão cair. E daí? Quem é por mim mesmo? iiih

Ou então vou gastar o resto da minha vida, viajando em atlânticos, pensando nos pobres que bajulam por favores, sem condições de pagar a refeição da noite, ou os calçados que gastam sem pressa alguma ou já se encontram gastos. Vivendo e morrendo enterrados no dinheiro alheio. Uma desesperança desesperadora. Um reboco na parede da vida.

Não eu.

Também posso comprar um cavalo branco e pinta-lo a crina de rosa, roxo ou azul, e cruzar as terras percorrida antes pelos meus ancestrais. Refazer o trajeto tentando traduzir o que o vento ou as marés furiosas tem a dizer, por que não? Me diz aí, e que seja convincente.

Sempre me empenhei em não ter uma rotina, será perfeito.




domingo, 3 de junho de 2012

Superado.

acho que agora, finalmente, posso dizer que não há mais nada entre nós.

Pego a caneca com café preto fumegante e atravesso a casa iluminada somente pela luz do aquário da sala, sem pressa, seguindo pelo corredor, entro no quarto vazio, a não ser por uma cadeira e uma escrivaninha. Sento à frente da máquina de escrever que mal funciona desde a minha infância, me ajeito em uma posição confortável e inspiro o aroma inigualável e forte de um café bem passado que vem em forma de vapor em direção ao meu rosto.

estou perfeito e impecavelmente bem. ou pelo menos no nível que nao costumam estar meus padrões; padrões que nunca foram lá tão normais.

Estou normal.

meu dias agora não tem mais o brilho falso e rosado dos olhos doces e otimistas de um apaixonado, ou a áurea cinza e opaca de uma depressão pós-término, depressão a qual demorei MUITO tempo de desilusões para se conformar.

Sinto o som das teclas enferrujadas como música. Doce. Muito doce.

como em todos os clichês, me sinto mais forte depois disso tudo.

Passo a mão por meu cabelo emaranhado e não consigo atravessar meus dedos nem por metade dos fios. Deixo pra lá, voltando a me concentrar na mágica anestesiante vinda daquele pequeno objeto.

honestamente, não quero mais seu amor, mas também não o vejo com ódio. sinto que fomos apenas tomados por sentimento sem fundamento, que não deviam ter aflorado, e se agora eles não existem mais, tudo o que eu posso fazer é me sentir grato, eu fiz a minha parte.
espero que pra você também não haja mais sofrimento. sofri o que tinha que sofrer de uma vez, sofri com intensidade. se você decidiu que sofreria aos poucos e controladamente, não posso interferir. se você continua a se torturar por tudo isso, não há modo de me culpar.
acho que tem toda a razão do seu lado. porém sei que, apesar de toda a turbulência, não vai conseguir esquecer, não de tudo. afinal de contas, eu também não vou.

não mais,
te amo.

Percebo que preciso de um cigarro. Atravesso a casa novamente, levando a caneca vazia, e decidindo por deixar o papel de tinta ainda sem secar, escondido entre tantos outros rascunhos.

Insight

Desde a primeira chuva de janeiro, a minha vida nunca esteve tão instável,  gosto disso, às vezes é divertido  "não saber" o que vai acontecer ou sei lá como foi ontem, não me interessa muito, só quero ter o que contar...

Claro que faz falta ter alguém que te esquentava nos braços enquanto você reclamava de frio, sentindo o cheiro da pessoa que ficou guardado na memória, e assim qualquer odor semelhante ao qual, faz o coração acelerar ritmado, com pressa, como quase nunca, ou como quase quando se corre pra escapar da morte.

Nunca vi muita vantagem em viver, passar por uma trajetória tão cansativa, passando por obstáculos tão sobrecarregantes, pra no final ter no máximo um minuto de silêncio e de baixo da terra ser esquecido até o dia de finados.

Minha memória está intacta, tudo o que dissestes ainda lembro como dito no momento... Olhe só, meu café esfriou e meu cigarro virou cinzas, acabaram-se as fumaças e agora o que me possui é a dor, que clichê, sem drama, qualé?