Um passarinho assovia de um modo repetitivo do lado de fora da janela, enquanto
eu batuco com os dedos sobre a mesa.
Mordo meu lábio inferior, nervoso.
Percebo que não consigo escrever.
Já faz quase um
mês… essa abstinência começa realmente a me perturbar. Continuo a espremer meu
cérebro. Chega a doer. Nada.
Levanto, dou alguns passos sem rumo e com
raiva atinjo a parede com um soco. Idiota de minha parte, já que a maior
prejudicada com o golpe foi a minha mão congelada de frio.
Depois de
resmungar como um velho, desço as escadas, pego meu casaco e saio de casa. Ficar
trancado respirando o mesmo ar já usado por mim tantas vezes não me ajudaria em
nada.
Meus chinelos não são exatamente a melhor escolha pro tempo glacial
que encontro fora de minha casa, mas a última coisa que considero é a ideia de
voltar apenas para trocar-los.
A rua de paralelepípedos, irregular,
encontra-se molhada, e por vez meus pés quase se atropelam e chego perto de
cair. Duas crianças, antes brincando, riem baixo, sarreando.
Depois de
continuar andando por quase meia hora, chego ao meu destino.
A curta
praia se abre à minha frente, o dia opaco deixando-a deserta, exceto por dois
pássaros idênticos aos que sempre estão à beira da janela da minha
saleta.
Tiro meu casaco, jogando-o na areia, e um arrepio violento me
sobe a espinha. Então, tiro meus chinelos, pisando na areia
gélida.
Começo a caminhar.
Aos poucos, vou perdendo a
sensibilidade nos dedos, e então nos pés inteiros. Vou chegando mais perto do
mar, e minha pele rígida de frio começa a se amortecer
Minha calça jeans e
minha camiseta fina começam a ficar cada vez mais e mais frias. Minha
temperatura corporal vai gradativamente diminuindo.
Paro por um segundo,
e olho pra baixo. Sinto um pouco de cócegas no meu pé esquerdo… com dificuldade,
vejo que acabei de pisar em um caco de vidro, e há um corte em minha pele
pálida. O corte está úmido de um sangue vermelho vivo, que mancha a areia
clara.
Pego o caco de vidro em minhas mãos, mal sentindo-o. É um pedaço
de espelho. Com um tamanho suficiente apenas para ver o reflexo castanho claro
de um dos meus olhos nele. O reflexo é manchado. Uma mancha de sangue já
seco.
Coloco o caco ensanguentado no bolso, e me volto para meu pé
levemente ferido. Toco no corte, não sentindo dor. Olho por alguns longos
segundos para os meus dedos molhados do vinho de meu corpo.
Parece
extremamente quente contra minha pele anestesiada.
Olho para o mar
escuro… para as águas gélidas e a promessa de paz.
Meus pés tomam o rumo
do atlântico.
Começo a correr em direção ao fim.