sexta-feira, 8 de junho de 2012

Âmago

Debaixo de uma árvore, no centro da cidade, observo as crianças brincando no parque, o sol está quase a pino, o verão é quase de marte, o vento sopra quente e abafado, tal que é preferível sem.

Há um velho no banco mais próximo, as solas do sapato já gastas do uso contínuo, olha fixamente para o infinito. Faz horas que ele está ali, de vez enquanto muda de posição, mas a expressão facial ainda continua crua, sem sentido, um pouco ignorado por quem passa.

O sinal da rua fecha. Uma buzina soa junto com um tchauzinho e um sorriso meio de lado, apagadinho, era pra ele. Ele, o senhor com a amargura interna. Mas ele fingia não existir nada, perdido em distantes pensamentos.

Fui perguntar o que lhe afligia. Sua Donnatela havia partido, sua companheira desde sempre, agora fazia parte do silêncio. Não existiam mais os cachos prateados da idade avançada, a doçura dos olhos azuis ou a leveza da voz de um rouxinol. Ela havia se calado. Shhhhh. E a ele somente restava um afeto ainda pulsante separado por sete palmos de terra úmida.

O que faltava no tal homem era a paz que sobrava agora à sua senhora, enterrada há três dias em seu melhor vestido florido com uma expressão límpida.

Os suspiros roucos ainda romperão os seus lábios e a paz será inatingível até que deitado ao lado de sua Donna estiver encontrado, sem perturbações, sem esses batimentos cardíacos ridículos que se apossam dos meros mortais.

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